Tentei reimaginar o programa num formato um pouco mais longo e com mais detalhes. É um teste que pode ou não permanecer nesse formato. Aos antigos ouvintes peço que deem sua opinião e aos novos, aproveitem =)
Amor, então
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.
Um dos maiores poetas da sua geração, Paulo Leminski é curitibano (ou não? A Biografia dele deixa uma dúvida sobre o real local de nascimento) e representante da geração mimeografo, movimento contracultura que, no contexto da ditadura ASSASSINA que vivemos no nosso país, levou pensadores e intelectuais a buscarem métodos alternativos para publicação e divulgação do conteúdo produzido.
Amar você é coisa de minutos
A morte é menos que teu beijo
Tão bom ser teu que sou
Eu a teus pés derramado
Pouco resta do que fui
De ti depende ser bom ou ruim
Serei o que achares conveniente
Serei para ti mais que um cão
Uma sombra que te aquece
Um deus que não esquece
Um servo que não diz não
Morto teu pai serei teu irmão
Direi os versos que quiseres
Esquecerei todas as mulheres
Serei tanto e tudo e todos
Vais ter nojo de eu ser isso
E estarei a teu serviço
Enquanto durar meu corpo
Enquanto me correr nas veias
O rio vermelho que se inflama
Ao ver teu rosto feito tocha
Serei teu rei teu pão tua coisa tua rocha
Sim, eu estarei aqui
Paulo Leminski
Bilhete
Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda…
O Poeta modernista, nascido em Alegrete, RS, considerado um dos maiores poetas do séc. XX. Nunca foi aceito na ABL, mesmo tentando 3 vezes e por conta dessas 3 negativas, ele escreveu um poema que é MUUUUUITO repetida por muita gente, o Poeminha do Contra, aquele que diz:
“Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
**Eles passarão… Eu passarinho!”
Agora vc sabe a origem do Poeminha do Contra
“Amar é mudar a alma de casa”,
é ter no outro, nosso pensamento.
Amar é ter coração que abrasa,
amar, é ter na vida um acalento.
Amar é ter alegria que extravasa,
amar é sentir-se no firmamento.
“Amar é mudar a alma de casa”,
é ter no outro, nosso pensamento.
Amar, é aquilo que embasa,
é ter comprometimento.
Amar é, voar sem asa,
e porque amar é acolhimento,
“amar é mudar a alma de casa”.
Mário Quintana
O chão é cama para o amor urgente,
amor que não espera ir para a cama.
Sobre o tapete ou duro piso, a gente
compõe de corpo e corpo a úmida trama.
E para repousar do amor, vamos à cama.
O Mineiro de Itabira, 107 Km de Belo Horizonte, “Alguns anos vivi em Itabira. Principalmente nasci em Itabira. Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro…” é um representante da segunda geração do modernismo, mas qualquer um que leia um pouquinho a obra dele, percebe que a sua ele fala de um espectro muito mais amplo. E obvio que terá muito mais texto. Vc pode nunca ter lido uma poesia deste homem, mas com certeza já ouviu “E agora José?”, ou “Tinha uma pedra do meio do caminho”
Amar
Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar, amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
Carlos Drummond de Andrade
Eu não sei senão amar-te,
Nasci para te querer.
Ó quem me dera beijar-te,
E beijar-te até morrer.
Fernando Pessoa que é, um homem que poderia se apresentar como Legião, pq indiscutivelmente, ele é (não FOI, é, pq quem escreve está vivo enquanto é lido) tantos que precisou dividir sua alma em muitos a fim de, categorizar e organizar seus textos e sentimentos. Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Bernardo Soares são apenas algumas das vozes que ele escreveu para se tornar um dos maiores de todos os tempos
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
Fernando Pessoa
Arte de Amar
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Manuel Bandeira
O Amigo do rei de Pasargada, Nascido no Recife mas logo aos 10 anos foi para o Rio de Janeiro, fez parte da primeira geração dos modernistas. Versos livres, linguagem coloquial e sua obra (que além de poesias consta com contos, traduções e criticas literárias), modo geral fala do cotidiano e da melancolia. “Eu faço versos como quem chora De desalento… de desencanto…”
Poética
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político, Raquítico, Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
Manuel Bandeira
Dedução
Não acabarão nunca com o amor,
nem as rusgas, nem a distância.
Está provado, pensado, verificado.
Aqui levanto solene minha estrofe de mil dedos e faço o juramento:
Amo firme, fiel e verdadeiramente.
Vladimir Maiakovski
Nascido em 1893 em Moscou, vc já deve ter calculado que em 1917 ele estava no auge da juventude, 24 nos, mas desde os 15 ele estava vinculado aos Bolcheviques do Partido Social-Democrático Operário Russo. Um nome incontornável e considerado o MAIOR POETA DO FUTURISMO, é um movimento artístico e literário que surgiu oficialmente em 20 de fevereiro de 1909 com a publicação do Manifesto Futurista
Amor
Um dia, quem sabe, ela, que também gostava de bichos,
apareça numa alameda do zoo, sorridente, tal como agora está
no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela, que, por certo, hão de ressuscitá-la.
Vosso Trigésimo Século ultrapassará o enxame de mil nadas,
que dilaceravam o coração.
Então, de todo amor não terminado seremos pagos
em inumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me, nem que seja só porque te esperava como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me, nem que seja só por isso!
Ressuscita-me! Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo de casamentos,
concupiscência, salários.
Para que, maldizendo os leitos, saltando dos coxins, o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia, que o sofrimento degrada, não vos seja chorado, mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
Camaradas!
atenta se volte a terra inteira.
Para viver livre dos nichos das casas.
Para que doravante a família seja o pai, pelo menos o Universo;
a mãe, pelo menos a Terra.
Meu Destino
Nas palmas de tuas mãos
leio as linhas da minha vida.
Linhas cruzadas, sinuosas,
interferindo no teu destino.
Não te procurei, não me procurastes –
íamos sozinhos por estradas diferentes.
Indiferentes, cruzamos
Passavas com o fardo da vida…
Corri ao teu encontro.
Sorri. Falamos.
Esse dia foi marcado
com a pedra branca
da cabeça de um peixe.
E, desde então, caminhamos
juntos pela vida…
Cora Coralina
A Dona Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, doceira, publicou seus primeiros textos em 1965 (historicamente, ainda ontem a noitinha) sob o pseudônimo de Cora Coralina, aos 76 anos de idade, ainda que tivesse o hábito de traduzir a alma em textos desde a adolescência. Alheia e distante dos agito dos grandes centros urbanos, ela falou sobre o cotidiano do interior do Brasileiro
Todas as Vidas – Cora Coralina
Todas as Vidas
Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé
do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço…
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo…
Vive dentro de mim
a lavadeira
do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde
de São-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada,
sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
-Enxerto de terra,
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha…
tão desprezada,
tão murmurada…
Fingindo ser alegre
seu triste fado.
Todas as vidas
dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera
das obscuras!
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